Fundos Imobiliários Atravessam Maré Turbulenta

Pela quarta vez seguida, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, na última quarta-feira, elevar a taxa básica de juros de 4,25% para 5,25% ao ano. Apesar de ter sido o maior aumento em 18 anos, de 1 ponto percentual, o anúncio não trouxe muitas novidades para o mercado, visto que a autoridade monetária já havia indicado o início de um novo ciclo de alta da Selic na primeira reunião, em março deste ano. Especialistas não contavam, porém, com a velocidade e intensidade na qual aconteceria tal movimento de aperto monetário. A surpresa também pairou sobre a indústria de fundos imobiliários, que evoluiu e se consolidou no mercado em um cenário de taxa na mínima histórica, de 2% ao ano.

Para efeito de comparação, em janeiro, a mediana das previsões de economistas do Boletim Focus indicava a Selic em 3,5% ao fim de 2021, além de uma taxa de 5% só em 2022. Após quatro altas seguidas e alguns meses depois, no entanto, o documento mais recente mostra que as expectativas saltaram para 7%, neste e no próximo ano. E, conforme o próprio Copom apontou na reunião passada, o ritmo acelerado de alta não chegou ao fim, podendo, inclusive, ultrapassar o patamar “neutro”.

Mas, apesar dos contínuos aumentos da taxa de juros, as perspectivas para a classe de fundos imobiliários são otimistas, pelo menos enquanto a Selic não chegar na casa de dois dígitos. Isso porque, segundo Rodrigo Possenti, gestor da Fator, se a taxa alcançar um nível mais elevado em um futuro próximo, como o juro em 10%, a indústria pode vir a ter problemas, dado que boa parte do estoque de fundos está em um patamar inferior.

Por ora, entretanto, a autoridade monetária e as instituições financeiras não preveem um repeteco de maio de 2017, última vez em que o Copom estabeleceu a Selic acima de 10%. “Desde o ano passado, quando a taxa caiu para 2%, os juros baixos não significavam muita coisa, pois ninguém esperava que fosse estacionar nas mínimas. E, mesmo com o movimento de alta visto nos últimos meses, que ganhou força na semana passada, os investidores continuam de olho nos fundos imobiliários, sobretudo como forma de proteção contra a inflação, que continua avançando”, explica Possenti.

Ao mesmo tempo em que a Selic passa a ser revisada para cima, o mercado financeiro eleva a projeção da inflação medida pelo IPCA pela 17ª vez seguida na última semana de julho, para 6,79% – ante estimativa de 3,53% em janeiro. Isso significa que, com um cenário de juro em 7% e uma inflação próxima de 7%, a taxa de juros real tende a ficar perto do nível zero. Em outras palavras, enquanto o consumidor sofre com a alta de preços, o investidor de fundos imobiliários consegue proteger o poder de compra do capital investido.

Nesta situação, de inflação e juro em níveis próximos, e considerando que 7% ainda é uma Selic baixa para o padrão histórico brasileiro, comenta o presidente da Integral Brei, Vitor Bidetti, o cenário vai ficar mais favorável para o ativo real. “Sem contar a escalada do grau de instabilidade política em que o país se encontra, com um ambiente mais volátil por questões relacionadas ao governo que acaba induzindo a uma busca por ativos com maior proteção”, complementa o profissional.

Mais importante do que o nível da Selic projetado para o fim do ano, porém, destaca Bruno Nardo, sócio da RBR Asset, é a correlação entre o Ifix, índice que acompanha o desempenho dos fundos imobiliários na bolsa, e o título Tesouro IPCA de longo prazo, título público que tem rentabilidade indexada à inflação. “O mercado costuma falar muito de juro curto, mas a relação entre a NTN-B [outro nome do Tesouro IPCA], por exemplo, com o Ifix, é muito maior do que com o CDI”, explica. “A Selic deve fechar o ano em 7%, mas como o juro de 2026 vai ser precificado?”, questiona.

Ao comparar a média de retorno em dividendos (“dividend yield) do Ifix com o Tesouro IPCA, com vencimento em 2026, acrescenta André Freitas, presidente da Hedge Investments, o prêmio de risco dos fundos imobiliários ainda apresenta uma vantagem de, ao menos, 3 pontos percentuais em relação à renda fixa.

“Pode ser que, em um primeiro momento, o cotista se assuste com a taxa de juros. Mas, no fim das contas, ele deve avaliar se prefere ganhar pouco menos de 4%, descontando o imposto, com o título do governo ou ficar no fundo imobiliário com retorno perto de 8%, sem precisar pagar tributo”, conclui.

Na avaliação de Bidetti, da Integral Brei, a alta de juros pode desacelerar o movimento de saída de investidores da renda fixa que vão em busca de opções de investimentos mais voláteis, como o mercado de ações e multimercado. No caso dos fundos imobiliários, por outro lado, afirma, a classe deve capturar melhor o momento de juro real próximo de zero, principalmente por se tratar de uma renda variável com menor volatilidade e, ainda, com o ativo real [o imóvel] por trás da operação.

Nardo, da RBR Asset, por sua vez, não espera por uma migração de classes tão relevante, mas ressalta a necessidade de o governo fazer o dever de casa. “Se o juro se aproximar de 7% ou 8%, tudo bem, pois juros baixos são aqueles abaixo de dois dígitos. Agora, se a NTN-B [o Tesouro IPCA], que é a inflação + 4%, voltar a ser IPCA + 7%, o cenário fica mais preocupante porque vai de encontro com a precificação dos ativos”, confessa. Portanto, finaliza o profissional, o trabalho do governo é gerar confiança para que os investidores possam investir no longo prazo com taxas saudáveis.

Setores vivem momentos diferentes

Conforme levantamento realizado pela Quantum Axis para o Valor Investe, no acumulado do ano, até o dia 3 de agosto, os fundos imobiliários evidenciam uma dispersão entre o retorno médio de cada setor da indústria. No gráfico, o desempenho positivo da renda fixa, que tem a carteira concentrada em fundos de recebíveis, corrobora com a visão de especialistas de que este é o setor de maior destaque, com ganhos de 5,98%.

Embora os fundos de tijolo acumulem resultados negativos no ano, a exemplo de escritórios (lajes) e shoppings, na visão de Alessandro Vedrossi, sócio-diretor da Valora Investimentos, estes setores de tijolo devem registrar uma recuperação do nível de dividendos à medida que a vacinação em massa acelera no país. Ele ressalta, porém, que a retomada do segmento de escritórios vai acontecer em um ritmo mais devagar.

Saiba mais em: https://valorinveste.globo.com/produtos/fundos-imobiliarios/noticia/2021/08/09/fundos-imobiliarios-atravessam-mare-turbulenta-com-favoritismo-pela-renda-fixa.ghtml

Fonte: Valor Investe